Espécie: Datura stramonium L.
Divisão: Magnoliophytas
Classe: Magnoliopsidas
Ordem: Solanales
Família: Solanaceae
Sinonímia: Não encontrada.
Nomes comuns: Figueira-do-inferno, nogueira-do-inferno, pomo-espinhoso, datura-estramónio, castanheiro-do-inferno, erva-dos-mágicos, erva-dos-bruxos, figueira-brava, erva-do-diabo.
English name: Thornapple.
Ou datura-estramónio, nome que facilmente se presta a um trocadilho com «datura-demónio», ou não estivéssemos a falar de uma das mais míticas plantas que ensombraram a imaginação medieva e que conduziram homens de mulheres a infernos mentais e às fogueiras da Inquisição.
Identificação: Herbácea anual, glabra, de crescimento ramificado e erecto até cerca de 1m de altura, de folhas amplas, irregularmente dentadas e verde-escuras. As flores são gamopétalas, formando uma campânula branca de cinco vértices. O fruto é uma cápsula espinhosa e deiscente, que lembra a forma de uma noz, provida de inúmeras sementes negras. Toda a planta, quando esmagada, exala um odor desagradável e acre.
Tipo Fisionómico: Terófito.
Distribuição: Ainda que alguns dados apontem para Ásia Central, a sua origem é tão obscura como os efeitos da sua seiva no sangue humano. Actualmente cosmopolita.
Habitat: Escombros, margens de rios, de pântanos, ruderais, encostas, arribas, ruínas, bordaduras e clareiras de bosques.
Floração: Junho-Outubro.
Princípios activos: Alcalóides tóxicos anticolinérgicos (solanina, atropina, hiosciamina e escopolamina). Os níveis de nitrogénio do solo ditam a percentagem destes alcalóides em cada exemplar que nele cresce.
Propriedades: Alucinogénia, narcótica, hipnótica, psicoactiva, neurotóxica, vermífuga, antiespasmódica, anti-asmática, analgésica, anti-inflamatória, insecticida e bactericida. As sementes são a parte mais tóxica, sendo que apenas vinte podem causar a morte. A sua correcção farmacológica torna a hiosciamina, a atropina e a escopolamina princípios favoráveis ao tratamento de doenças mentais e neurológicas.
Partes usadas: Flores, folhas e frutos.
Usos: Para além dos usos mágicos e enteógenos que ao longo da História se lhe têm dado, a figueira-do-inferno tem mais para oferecer do que uma imagética infernal que expõe o ser humano aos seus temores mais íntimos, recalcamentos e falsas elaborações mentais paradisíacas. Recentemente, alguns dos seus alcalóides têm vindo a ser investigados como tratamento para a doença de Parkinson. A medicina popular prescreve o óleo dos seus frutos para tratamentos capilares contra a caspa e a alopecia. As folhas, colhidas durante a floração, bem como as sementes, podem ser empregues externamente em emplastros no tratamento de abscessos, fístulas, quistos dermóides, neuralgias persistentes e feridas. A defumação com as suas sementes é ideal para tratamento da asma.
Curiosidades: A datura é assaz útil no controlo de pragas em culturas biológicas, uma vez que funciona como repelente de insectos e bactericida. Alelopaticamente, esta planta é um dos poucos mecanismos naturais a que um agricultor pode recorrer para controlo do sorgo (Sorgus halepensis), quando este se torna infestante em hortas e cearas. Não deve, todavia, ser cultivada demasiado pertos das plantas que se quer preservar, visto que a hiosciamina libertada no solo é transformada em atropina e absorvida pelas raízes das outras plantas, enfraquecendo-as.
A Datura stramonium era um dos principais ingredientes da famosa «poção dos bruxos», que lhes permitia voar nos cabos das suas vassouras até às clareiras florestais onde o Sabbat tinha lugar. Tudo leva a crer que os relatos destes conciliábulos demoníacos extraídos, muitas vezes sob tortura, pelos inquisidores aos pretensos bruxos, não passavam de falsas memórias criadas pelo uso deste alucinogénio e pelo efeito de sugestão provocado pelas histórias fantásticas que circulavam no Limes da sociedade medieval, onde mito e realidade se fundiam num só conceito.
Em 1881, o químico alemão Albert Landenburg conseguiu isolar a escopolamina a partir da datura.
A palavra datura deriva do nome do veneno que esta planta contém, o chamado dhât, usado pelos membros da seita Thug, uma seita hindu composta por ladrões e assassinos em série que veneravam a deusa da Morte, Kali. Ainda hoje, esta planta é fumada juntamente com tabaco por ameríndios norte-americanos em rituais divinatórios e em transes xamânicos.
Entre os Araucanos, cultura da América do Sul (Chile), a datura é desde há milénios usada em ritos fúnebres e administrada em doses mínimas a crianças pequenas para, de acordo com o comportamento que desencadear, prever o seu futuro.
O «nepenthe» de que fala Edgar Allan Poe no seu célebre poema O Corvo, refere-se a uma beberagem imaginária feita com base neste alucinogénio em conjunto com algum opiáceo poderoso, que tinha em vista o esquecimento da mulher amada e inatingível, o mesmo «nepenthe» que Helena de Tróia recebera de Polidamna e que dera a Telémaco para que este esquecesse a angústia causada pela morte do pai. À letra, nepenthe significa em Grego «esquecer o sofrimento», e é citado diversas vezes na Mitologia Grega, nomeadamente na Odisseia de Homero. Era a poção mágica criada pela feiticeira Circe para revelar a verdadeira natureza dos homens e os subjugar; o seu antídoto foi dado por Hermes a Odisseu para que este resistisse aos ardis daquela feiticeira. Com o mesmo veneno, este herói dos mares untava a ponta das suas flechas e deste modo terá matado o ciclope Polifemo. Também durante a Idade Média, a datura era usada como veneno de guerra, o que faz suspeitar de uma continuidade.
Os transes divinatórios em que entravam as sacerdotisas da Antiguidade seriam induzidos pela datura e outras plantas que ardiam nos templos.
De acordo com Paracelso, a soturna datura é regida pelo planeta Saturno.
Plínio e Teofrasto falam dela, uma planta que bem doseada e misturada com outras ervas provocava sonhos amenos e atenuava o sofrimento dos enfermos.
Os efeitos da intoxicação por datura manifestam-se através da secura da boca e das mucosas, dado o efeito anticolinérgico dos seus alcalóides, náuseas, vómitos, tonturas, sensação de deixar cair tudo das mãos, mesmo que não se esteja a segurar em nada, ao que se seguem fortes alucinações psicadélicas e só depois imagéticas, tanto agradáveis como infernais, dependendo do inconsciente de cada um; visão dupla e sensação de metamorfose, o que valida os efeitos da poção de Circe que transformava os homens em animais. Este narcótico tem o poder de criar delírios conscientes e de induzir grandes discursos políticos e religiosos. Três gramas desta planta, folhas ou flores, podem desencadear a morte. Não se lhe conhece nenhum verdadeiro antídoto, apenas a chamada «erva-espanta-diabos», Phagnalon saxatile ou P. rupestre, é susceptível de acalmar e neutralizar até certo ponto os seus efeitos, dado o seu valor colinérgico.